sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Cão herói

Rintim,era o nome de todos meus cachorros que tive quando criança. Era como se fosse possível eternizar o cachorro repetindo  o mesmo nome. Com esta “teoria” amenizava  o sentimento de perda na morte do animal.  Não sei qual dos Rintim número mil estava, mas este  era especial, raça vira-lata, como todos os outros,  era  malhado de preto e branco.
 Ele e eu tínhamos uma afinidade que transcendia de fato meu imaginário, ele era meu maior e único amigo,  confidente, meu guardião, super herói, e cobaia. A minha mãe odiava qualquer tipo de vida animal por perto, mas permitia que eu ficasse com ele desde que cuidasse da alimentação, sujeira e educação. Mas volta e meia ela dava uma vassourada nele.
No almoço quando milagrosamente  tinha o tal  bife de fígado, que eu odiava, lá estava o Rintim a me ajudar nesta super missão impossível. Eu ainda ficava com os elogios de ter conseguido comer tudo. De anemia sei que este Rintim não morreu. Quando levava uma surra da minha mãe, e este evento era quase todos os dias, novamente estava meu ombro  amigo Rintiano para chorar e contar todos meus dilemas e estratégias para fugirmos de casa. Ele me protegia ate dos beijos com gosto de café da minha avó, eu odiava estes beijos,  todo molhado dela, e acho que é devido a isto que ate hoje  nunca tomei café, por mais que as pessoas insistam. Quando ela vinha de pronto a me abraçar,   meu salvador Rintim rosnava, latia e lançava-se tentando atacar a vovó, ela ficava com medo,  me liberando  em seguida para meu completo alívio.
Eu não sei bem aonde eu tirei a ideia, mas pensei que poderia ser uma dentista, e porque não começar a praticar naquele mesmo dia? Meu primeiro e único paciente: Rintim, ele ficava um bom tempo com a boca aberta, meus instrumentos técnicos não passavam de uma agulha de crochê, três bolotas de chicletes mastigados. Chicletes estes que eram do dia anterior que eu guardava grudado debaixo da cama para ninguém pegar. O procedimento adotado era: Retirar as coisas pretas  dos dentes do paciente, que hoje sei que são tártaros. Eu raspava com agulha de crochê, e colocava   massinha “chicletes” nos buracos dos dentes de trás do paciente. Rintim adorava todo o procedimento, não reclamava , penso que ele gostava, porque assim que colocava os chicletes ele engolia tudo, como se fosse um regalo.
Porém, como toda pessoa tem seus defeitos, Rintim que eu o considerava como pessoa, também tinha os seus. Ele era enlouquecido por uma bicicleta, as bikes ou restos delas passavam na porta de casa e ele atacava latindo, hora e outra ganhava uma pesada de um ciclista na cara. Devido a isto ele não tinha acesso a rua, mas era tão esperto que por vezes fugia, numa destas fugas ele foi atropelado por uma das bicicletas que ele veementemente atacava, pedi a Deus, roguei em lagrimas para a salvação de Rintim. Ele conseguiu sobreviver então pensei: Isto realmente é um milagre, Deus me escutou e atendeu meu pedido. Passando este episódio minha família como sempre meio cigana, inventou de mudar novamente e fomos para uma cidade maior. Quando paramos num posto de gasolina, Rintim que estava junto com a mudança na carroceria do caminhão, se lançou no asfalto latindo e atacando os carros. Eu gritava em vão seu nome. Os carros tentavam fugir dele; ele desnorteado se lançava em todas as direções. E aconteceu o que intuitivamente temia, ele foi atropelado ali, sem que eu nada pudesse fazer para protegê-lo.
Coloquei culpa na mudança , chorei horrores, roguei mais de mil vezes aos céus: Por favor! Deus ,ressuscite meu cachorro! Por algum milagre, ele ficou vivo, mas mancava. Eu pensava: Poxa, o Rintim é super forte, talvez ele seja um super cachorro, foi atropelado duas vezes e não morreu. Passado alguns  meses mudamos de novo para o interior e com isto o retornou dos conflitos de Rintim com as bicicletas. Qual foi minha surpresa , um dia ao se levantar pela manhã,  o vi morto! Não por atropelamento, mas por uma bola de carne moída envenenada, que alguém, provavelmente um ciclista já stressado, jogou por cima do muro e ele comeu inocentemente. A partir disto todos que passavam na porta eu pensava: Deve ser este... Não! Aquele tem cara de mal... e segui dias a perseguir o provável assassino de Rintim, com uma seleção enorme de prováveis culpados.

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